Vamos conversar um pouco agora sobre compaixão pelo paciente … Peter Attia lembra, muitas vezes, de uma ex-paciente, uma mulher que ele atendeu na sala de emergência do Hospital Johns Hopkins uma noite há anos atrás…
Ela era obesa e sofria de uma complicação grave do diabetes tipo 2, uma úlcera no pé, o que exigiu uma amputação urgente. Attia admite que mesmo silenciosamente a julgou.
“Se ela tivesse cuidado melhor de sua saúde, feito mais exercícios físicos, comido menos”, ele pensou consigo mesmo, isto nunca teria acontecido.
Mas alguns meses atrás, em uma conferência TEDMED, Attia dedicou algumas palavras para essa ex-paciente:
“Espero que você possa me perdoar. Como médico, ofereci o melhor atendimento clínico que pude, mas como ser humano, eu te decepcionei. Você não precisava do meu julgamento e do meu desprezo. Você precisava da minha empatia e da minha compaixão”, disse o médico diante da plateia.
Para muitos, me incluo neste grupo, o discurso em tom confessional de Attia, feito apenas para uma pequena plateia, e, depois, aberto ao público no site da TED, em junho de 2013, teve um impacto profundo, em parte, por sua franqueza incomum.
Attia admite algo que ele acredita que muitos médicos escondem: a culpa pelas mesmas razões.
A compaixão pelo paciente com sobrepeso e obesidade, muitas vezes, não é tão genuína ou natural como é a compaixão pelos doentes que desenvolvem câncer ou outra doença, onde “a culpa aparente do paciente” não é tão evidente.
E assim como Attia são muitos os médicos que conscientemente e inconscientemente “julgam seus pacientes crônicos” que não conseguem fazer mudanças significativas em seu estilo de vida, numa demonstração de falta de compaixão pelo paciente.
A dificuldade de estabelecer empatia, de se colocar no lugar do paciente, de trilhar o caminho de outrem é um empecilho em muitos tratamentos longos.
Talvez, muitos perdões como esse ainda sejam necessários.
Mas como a vida sempre nos oferece novas oportunidades de aprendizado, a “segunda chance” de Peter Attia veio de uma maneira inesperada, em parte, pela surpreendente descoberta, há alguns anos atrás, que, apesar de prestar atenção à sua dieta e de se exercitar com frequência, ele também desenvolveu a síndrome metabólica, um precursor do diabetes tipo 2.
Logo ele que tinha feito todas as escolhas de estilo de vida adequadas? Como ele poderia estar acima do peso e em uma via rápida para a obesidade e o diabetes?
A notícia obrigou Attia a fazer mudanças em sua vida. E isso o levou a questionar se a sabedoria convencional sobre obesidade, que tem prevalecido ao longo de décadas, poderia estar ser fundamentalmente errada.
A obesidade em si pode não ser a causa da doença, ele sugere hoje, mas um sintoma de um problema metabólico subjacente.
“Há 40 anos, estamos dizendo as mesmas coisas: se você comer muito, não se exercitar o suficiente, terá diabetes e morrerá… Só que esse discurso e essa proposta terapêutica não estão ajudando muito as pessoas obesas, as coisas estão piorando muito, e em escala mundial”, diz Attia em sua conferência TEDMED.
Petter Attia deixou a prática clínica e tornou-se o co-fundador de uma organização sem fins lucrativos com foco em Nutrição, a Nutrition Science Initiative, que financia experimentos e pesquisas médicas sobre as causas da obesidade e do diabetes tipo 2.
O poder do perdão
Desde que a palestra tornou-se pública, Attia diz que tem recebido centenas de e-mails sobre o tema de seu discurso.
Muitos são de médicos que expressam pesar sobre o julgamento que fazem de seus próprios pacientes. Muitos gostariam de ter a oportunidade de pedir desculpas a alguns de seus pacientes também.
Já dizia Oscar Niemeyer, a vida é um sopro. Não esperem pelo amanhã!
Peçam perdão hoje aos pacientes que sofrem com dores crônicas intratáveis, aos que não conseguem seguir à risca as orientações médicas, aos que não aderem ao plano terapêutico proposto. São esses os que mais precisam da empatia e da compaixão de seus médicos.
O outro montante de e-mails recebidos por Attia é de pacientes, “dos que foram julgados a vida toda”. Muitos são de pessoas que estão com sobrepeso ou obesos com diabetes, que sentem que foram julgados por seus médicos e “sentenciados como deliberadamente negligentes com a própria saúde”, mesmo quando lutavam para fazer melhores escolhas.
Há ainda os e-mails que tocam Attia profundamente, como o de pessoas que dizem que “mesmo você não sendo meu médico, eu aceito o seu pedido de desculpas em nome da paciente que você julgou…” ou “eu perdoei o médico que me tratou mal por sua causa”…
Petter Attia, no entanto, nunca mais ouviu falar da mulher que ele descreveu em sua conferência TEDMED. Ele teme que ela não esteja mais viva, uma vez que um paciente que passa por uma amputação tem cerca de 30-40% de chances de sobreviver nos próximos cinco anos.
E em 2013, o fato mencionado na conferência TEDMED já havia acontecido há sete anos.
Se você está lendo este artigo agora tem muito tempo para refletir sobre a sua relação com seus pacientes e sobre o poder transformador do perdão na Saúde.
Por Márcia Wirth
(reprodução autorizada com créditos)
Espero que você possa me perdoar. Como médico, ofereci o melhor atendimento clínico que pude, mas como ser humano, eu te decepcionei. Você não precisava do meu julgamento e do meu desprezo. Você precisava da minha empatia e da minha compaixão.
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