A publicidade médica irregular é motivo de diversos processos éticos.
Segundo dados divulgados pelo Cremesp, cerca de 97% dos médicos que respondem a processos éticos-profissionais relacionados a cirurgias plásticas e procedimentos estéticos não possuem título de especialista na área. Os dados que foram levados em conta pelo órgão abrangem a análise de processos éticos que tramitaram no órgão de janeiro de 2001 a julho de 2008, totalizando 289 médicos.
Deste contingente, 139 médicos (48,1%) não têm título em nenhuma especialidade médica. Já 143 médicos (49,5 %) possuem título em especialidades não relacionadas à cirurgia plástica e procedimentos estéticos. Dentre os médicos processados, figuram 6 cirurgiões plásticos (2,1%) do total e apenas um dermatologista (0,3% do total).
Um dado chama a atenção neste levantamento do Cremesp: a publicidade médica irregular é a infração mais recorrente nos processos analisados pelo órgão que envolvem a cirurgia plástica e os procedimentos estéticos.
A publicidade médica irregular abrange a exposição de pacientes (mostrando o ‘antes’ e o ‘depois’), a divulgação de técnicas não reconhecidas, de procedimentos sem comprovação científica e a mercantilização do ato médico (anúncios em quiosques de shoppings, promoções onde o ‘prêmio’ é uma cirurgia plástica, consórcios e crediários para realização de cirurgias plásticas).
Em relação à exposição de pacientes em fotografias, vídeos de cirurgias ou outros meios de divulgação leiga, cabe aqui, rigorosamente, a observação ao artigo 104 do Código de Ética Médica, que veda ao médico essa prática.
Fotos e vídeos de cirurgias somente podem ser apresentados em reuniões no meio científico, após obtenção do consentimento do paciente.
O médico também não pode divulgar durante entrevistas preços de consultas populares, cirurgias plásticas, pacotes para partos, planos de financiamentos, parcelamento de honorários, descontos, promoções ou sistemas de consórcios.
Não pode divulgar preços de cirurgias, nem mesmo média de preços. Este tipo de divulgação é encarada como mercantilização da Medicina pelos órgãos fiscalizadores.
Acreditamos que as ideias equivocadas sobre marketing que muitos médicos ainda carregam podem ser revertidas com trabalhos de conscientização, como os guias e manuais de publicidade médica produzidos pelos Conselhos de Medicina, bem como com cursos que promovemos, que asseguram a prática segura das técnicas de marketing em prol do trabalho médico.
Publicidade médica nos Estados Unidos
Em matéria publicada pelo jornal The New York Times, em julho de 2008, o jornalista Abby Ellin trouxe à tona duas histórias: uma delas relata a saga de Cynthia Goodstein para descobrir como poderia pagar por uma plástica de rosto.
“Durante uma consulta com o Dr. Payman Simoni, um cirurgião plástico de Beverly Hills, ele perguntou se ela estaria disposta a fazer um vídeo que a mostraria antes e depois do procedimento, e divulgá-lo no YouTube.
‘Eu provavelmente perguntei se isso me valeria um desconto, e ele me oferece um bom negócio’, conta Goodstein, que pagou US$ 3,8 mil em lugar dos US$ 12 mil que Simoni normalmente cobra”, conta o jornal.
A outra história, tão fantástica quanto a primeira, relata que em setembro de 2007, “Michelle Wilder saiu do consultório do Dr. Emil Chynn, na Park Avenue Laser, em Nova York, armada do pacote normal de suprimentos pós-operatórios: colírio, óculos de sol e um par de lentes de contato especialmente preparadas.
E, melhor não esquecer, um DVD com imagens de sua cirurgia Lasek (não é Lasik), para que ela pudesse revisitar em casa as alegrias da raspagem de seus globos oculares pelo cirurgião.
Mas o prazer visual da paciente não era a única preocupação de Chynn. A esperança dele era que ela curtisse tanto o espetáculo que decidisse postar o vídeo de 10 minutos no YouTube, acompanhado pelas credenciais do oftalmologista, um link para o seu site e uma crítica muito positiva de seu trabalho.
Como incentivo, Chynn oferece à paciente ou uma injeção de botox no valor de US$ 400 ou um desconto de US$ 100 no custo da cirurgia”, revela a reportagem.
Médicos – e pacientes – americanos aderiram com vigor à mania de postar vídeos na Internet. Se você digitar a palavra “Botox” no YouTube, encontrará cerca de 2,4 mil vídeos como retorno. “Implante de seios” traz mais de dois mil resultados, e “Lasik” outros dois mil…
Os estudiosos americanos da ética médica não concordam com práticas como estas.
E os defensores dos direitos dos consumidores dizem que descontos e pagamentos podem pôr fim às resenhas independentes sobre a qualidade do tratamento médico.
Com depoimentos pagos, corremos o risco de que os cifrões influenciem a opinião dos pacientes e que eles não estejam necessariamente dizendo a verdade nestes vídeos postados em redes sociais.
Agradecer aos pacientes por elogios usando descontos financeiros ou ofertas de aplicações gratuitas de Botox é legal nos Estados Unidos, mas grupos como a Sociedade Americana dos Cirurgiões Plásticos, que congrega 5,8 mil cirurgiões plásticos licenciados, estão debatendo a ética de fazê-lo, especialmente se o público não estiver sendo informado de que remuneração de alguma espécie foi paga pelo depoimento.
A Academia Americana de Oftalmologia, que congrega os oftalmologistas dos Estados Unidos, também alerta que remuneração financeira aos pacientes que fazem depoimentos favoráveis é uma prática reprovável, e dispõe que os oftalmologistas associados revelem esse tipo de prática caso recorram a ela.
Por Márcia Wirth
(reprodução autorizada com créditos)
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